Comunistas são destaque em projeto de samba paulista

Projeto de valorização do samba paulista reuniu durante cinco dias artistas representando as diversas manifestações do samba em São Paulo

Rozina Conceição
Comunistas no samba
Da esquerda pra direita: Graça Braga, Dona Inah, Elizeth Rosa, Railídia, Chapinha e Ana Elisa

Graça Braga, Railídia e Elizeth Rosa foram, ao lado de Dona Inah e Ana Elisa, as atrações do último sábado do projeto É Tradição e o Samba Continua, realizado no auditório Simón Bolívar no memorial da América Latina. Além de terem o samba em comum na trajetória, as três primeiras cantoras citadas são filiadas ao PCdoB e integram o coletivo de sambistas de São Paulo. Além das comunistas, o sambista e compositor Chapinha, pré-candidato do PCdoB a vereador pela Capital, também se apresentou e fez a curadoria artística do projeto.

“O pessoal de São Paulo não deve nada a sambista de lugar nenhum. Você não tem ideia da quantidade de gente boa que ficou de fora desse projeto", disse Chapinha que completa, em 2012, 30 anos dedicados à militância no samba em São Paulo. Para Railídia, que é dirigente municipal do PCdoB na Capital, o projeto foi muito feliz na escolha das atrações que revelaram ao público a riqueza artística do samba paulista. 

“Pudemos ouvir sambas compostos pela Graça Braga e pela Ana Elisa. A tradição do Bexiga trazida pela Elizeth Rosa. Eu cantei um samba de Douglas Germano que está, na minha opinião, na vanguarda do samba paulista por sua originalidade e qualidade artística”, contou Railídia. Ela elogiou ainda o samba das comunidades de São Paulo que combina arte, cidadania e preservação cultural. “Os terreiros de São Paulo são um fenômeno brasileiro. Infelizmente ainda é necessário que esse potencial seja absorvido pelas políticas públicas para que se fortaleça essa iniciativa que surgiu do povo”, ressaltou.

É a segunda edição do projeto que aconteceu em 2009 no Centro Cultural Banco do Brasil reunindo, como desta vez, a nata do samba paulista em suas diversas expressões. Quem esteve no Memorial pôde assistir representantes da velha-guarda, como Toinho Melodia e Osvaldinho da Cuíca; prestigiados grupos de samba, como o Quinteto em Branco e Preto; terreiros e rodas de samba, como Samba dá Cultura e Maria Cursi e ainda atrações conhecidas, como Fabiana Cozza, que participou das duas edições, e que recebeu as cantoras Adriana Moreira e Tereza Gama. 

Além de emprestar um trecho do samba “Tradição” para nomear o projeto, Geraldo Filme, ainda criança, se orgulhava do samba de São Paulo: “...somos paulistas e sambamos pra cachorro pra ser sambista não precisa ser do morro", compôs o menino, sambista precoce.

Da redação
Profº Cleber de Oliveira

Maria Rita Kehl: Tortura e sintoma social

Em um livro escrito em 2004 [Ressentimento, São Paulo, Casa do Psicólogo] eu me referi ao ressentimento como um dos sintomas mais representativos da relação ambivalente da sociedade brasileira com os poderes que, em tese, deveriam representar e defender interesses coletivos. 
Por Maria Rita Kehl*, no blog da Boitempo

Fruto dos abusos históricos que aparentemente “perdoamos” sem exigir que opressores e agressores pedissem perdão e reparassem os danos causados, o ressentimento instalou-se na sociedade brasileira como forma de “revolta passiva” (Bourdieu) ou “vingança adiada” (Nietzsche), ao sinalizar uma covarde cumplicidade dos ofendidos e oprimidos com seus ofensores/opressores. 

A mágoa “irreparável” do ressentido indica que ele sabe, mas não quer saber, que aceitou se colocar em uma condição passiva diante dos abusos do mais forte; por covardia, por cálculo (“mais tarde ele há de reconhecer e premiar meu sacrifício”) ou por impotência autoimposta, o ressentido acaba por se revelar cúmplice do agravo que o vitimou.

É importante ressaltar, entretanto, que o ressentimento não abate aqueles que foram derrotados na luta e no enfrentamento com o opressor, e sim os que recuaram sem lutar e perdoaram sem exigir reparação. O expediente corriqueiro – por má-fé ou mal-entendido? – de chamar de “ressentidos” aqueles que não desistiram de lutar por seus direitos e pela reparação das injustiças sofridas não passa de uma forma de desqualificar a luta política em nome de uma paz social imposta de cima para baixo. Nossa tradicional cordialidade, no sentido que Sérgio Buarque de Hollanda tomou emprestado de Ribeiro Couto, obscurece a luta de classes e desvirtua a gravidade dos conflitos desde o período colonial.

*Maria Rita Kehl é psicanlista, autora de diversos livros, como O tempo e o cão (Boitempo, 2009), ganhador do prêmio Jabuti de Melhor Livro do Ano de Não Ficção em 2010. Foi nomeada integrante da Comissão da Verdade.

Profº Cleber de Oliveira