Movimento Negro

Plenária renova coordenação da Unegro 
e pauta eleições em SP

Entre as propostas do documento-base apresentado na plenária está a criação de uma secretaria municipal nos moldes da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir)

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Dezenas de lideranças da luta antirracismo se reuniram neste sábado (28), em São Paulo, para a Plenária Municipal da Unegro (União de Negros pela Igualdade). Ainda em clima de comemoração pelo julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que aprovou as cotas raciais, o encontro foi realizado no Auditório Teotônio Vilela da Assembleia Legislativa paulista. 

Os participantes elegeram a nova coordenação municipal da entidade e debateram a pauta do movimento negro para as eleições 2012. Mas a maioria dos oradores fez questão de ressaltar a sessão do Supremo realizada dois dias antes. Na quinta-feira (26), os ministros do STF deliberaram, por unanimidade (dez votos a zero), a constitucionalidade da reserva de vagas em universidades públicas, com base no sistema de cotas raciais.

“O movimento negro e a sociedade brasileira acabam de conquistar uma vitória histórica”, resumiu o presidente estadual da Unegro-SP, Julião Vieira. “Esse resultado incontestável fortalece nossa luta e é um estímulo para as próximas batalhas”, agregou.

Simone Nascimento, também dirigente da Unegro, destacou a leitura dos votos de dez dos 11 ministros do Supremo – apenas Antonio Dias Toffoli não participou do julgamento, por já ter defendido as cotas quando era advogado-geral da União. Segundo Simone, “os depoimentos foram muito expressivos e enfáticos, especialmente o do relator do caso, Ricardo Lewandowski”.

Ao defender a adoção de ações afirmativas, como a políticas de cotas raciais, o ministro declarou que “não basta não discriminar. É preciso viabilizar”. Na opinião de Lewandowski, as cotas combatem uma “discriminação histórica” – e “são uma forma de compensar essa discriminação culturalmente arraigada, não raro praticada de forma inconsciente e à sombra de um Estado complacente. A neutralidade estatal mostrou-se, nesses anos, um grande fracasso”.

Os negros e as urnas

A discussão sobre o pleito municipal de 7 de outubro animou a plenária. “Temos de encarar as eleições como prioridade máxima de nossa atuação em 2012. Só em São Paulo, há três membros da Unegro que são pré-candidatos a vereador – entre eles, o ex-ministro do Esporte Orlando Silva”, declarou Julião.

Além da disputa à Câmara Municipal de São Paulo – que conta com 55 vereadores –, a sucessão do prefeito Gilberto Kassab também está na ordem do dia. O lançamento da pré-candidatura do vereador Netinho de Paula à Prefeitura é uma garantia de que a plataforma do movimento negro pode estar no centro do debate. 

“É importante valorizar a simbologia e a representatividade de candidaturas negras, sobretudo a do Netinho”, analisou Antonio Pedro, o Tonhão, secretário municipal de Movimentos Sociais do PCdoB de São Paulo. Ele lembrou que, pela primeira vez na história, mais de 50% dos brasileiros já se declaram negros ou pardos, conforme o Censo 2010. 

“A chamada ‘nova classe C’ – que emergiu sobretudo no governo Lula (2003-2010) – também já representa a maioria da população. Antes de concluir um plano de governo consistente, nosso desafio é cruzar esses dados, ter uma dimensão precisa e global da realidade, deste novo Brasil, e formular políticas públicas compatíveis”, afirmou Tonhão.

Como ponto de partida para a elaboração da plataforma do movimento, a Unegro apresentou um documento-base, com propostas nas áreas de educação e saúde. Várias sugestões foram apresentadas ao longo da plenária, como a inclusão da Rua do Samba no Calendário Oficial da Cidade de São Paulo e a criação de um órgão municipal aos moldes da Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República).

Uma Unegro à altura dos próximos desafios

Para Julião Vieira, a plenária foi “muito positiva” e contribuiu para o esforço de “dar mais musculatura” à Unegro. “O movimento precisa de uma entidade forte, coesa e suprapartidária, com maior influência de massa, capaz de nos preparar para os próximos desafios.” A reestruturação organizativa da Unegro em São Paulo tem horizonte objetivo. “Vamos convocar um grande e massivo congresso municipal, com o objetivo de projetar nossa entidade em um novo patamar”, diz Julião. 

O congresso deve ocorrer em 2013, nos marcos dos 25 anos da Unegro, que foi fundada em 14 de julho de 1988. Com essa perspectiva, a plenária elegeu a nova coordenação municipal da entidade, composta por 12 lideranças, sendo cinco na direção executiva.

A Plenária Municipal da Unegro contou com a participação de Wander Geraldo, presidente do Comitê Municipal do PCdoB de São Paulo; Jairo José, presidente da Associação Amizade Brasil-Angola; e Roberto Almeida de Oliveira, assessor da deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP).

De São Paulo, André Cintra




Profº Cleber de Oliveira







Alice Walker vai muito além de A Cor Púrpura


A escritora e ativista norte-americana Alice Walker, autora de A Cor Púrpura, entrou no Auditório Nelson Rodrigues, do Pavilhão da 1º Bienal Brasil do Livro e da Leitura, em Brasília (DF), sob aplausos de um público que ficou de pé para recebê-la. “Eu não sou escritora porque fiz faculdade. Sou escritora porque tenho coração”, declarou ao público presente. Confira entrevista concedida antes do evento.



Alice Walker durante a Bienal em Brasília / Foto: Junior Aragão/divulgação

A escritora de fala pausada, calma e contundente, foi recebida por um público predominantemente feminino na Bienal de Brasília, onde lançou "Rompendo o Silêncio – Uma Poeta Diante do Horror em Ruanda, no Congo Oriental e na Palestina/Israel (Bertrand Brasil)".

Sua obra mais conhecida, A Cor Púrpura, é referência na luta contra o racismo, o machismo, o patriarcado nos Estados Unidos e no mundo. A obra lhe rendeu prêmios importantes, como o Pulitzer e o National Book Award, e foi adaptada por Steven Spielberg para o cinema – o filme foi indicado a 11 Oscars e ficou sem nenhum, frustração que só ampliou sua ressonância.

Em todo o mundo, ela é conhecida como a autora negra, nascida em 1944, no sul dos Estados Unidos, que venceu a pobreza com bolsas de estudo, livro sobre racismo e superação. Em sua trajetória há mais de três dezenas de livros de ficção, poesia e ensaios publicados, além da criação de uma editora militante, a Wild Trees Press, e uma atuação por vezes ruidosa pelos direitos civis – chegou a ser presa, mas logo solta, por protestar contra a atuação estadunidense na Faixa de Gaza, em 2003.

“Nada, entre prêmios e fama, é mais importante do que o que sinto e quero dizer em defesa das minorias em todo o mundo”, explicou à Revista Cult, por telefone.

No livro que veio lançar, há fatos históricos e depoimentos para contar como sobrevivem habitantes de regiões da África e do Oriente Médio, que visitou entre 2006 e 2009. Durante o evento de lançamento, abordou um dos temas que lhe são mais caros: o narrador e o personagem afro-americanos como parte da consciência histórica.

Durante o evento, o público se surpreendeu com seu testemunho. Como quando testemunhou o discurso de Martin Luther King, imortalizado e profusamente difundido sob o título I have a dream.

“Eu estava lá em 1963, na marcha de Washington, sentada em cima de uma árvore, para ouvir este discurso que foi muito utilizado, mas que foi muito mais complexo do que se divulga”, disse. E declarou que partiu de Luther King o conselho que mudaria sua vida: “Ele nos disse, a todos que éramos do sul, para voltar a nossa casa e mudar o estado das coisas por lá. E foi o que fizemos”.

Também foi possível conhecer seu lado irreverente quando Alice descreveu sua surpresa ao saber da intenção de Steven Spielberg de filmar A Cor Púrpura.

“Talvez eu fosse a única pessoa nos Estados Unidos que não sabia quem era Spielberg. Então, minha filha me levou pra ver ET e eu gostei muito. Por isso, e por saber que o Quincy Jones estava fazendo a trilha, resolvi fazer”, recordou.

Cult: O que mudou desde a década de 1960, quando iniciou sua trajetória como eloquente ativista em defesa dos direitos de negros e mulheres?
Alice Walker: Quando eu era estudante, os negros ainda lutavam para ter direito a voto no sul dos Estados Unidos. Sem dúvida houve avanço no que se refere à igualdade de negros e mulheres, porém é uma condição que só se alcança à medida que se tem dinheiro e educação. Para quem é pobre e não teve como estudar, a situação ainda é muito ruim. Em todo o mundo.

Cult: Nos Estados Unidos também?
AW: Sim, as pessoas já se deram conta do quanto os Estados Unidos conseguem ser tão pouco democráticos. O movimento Occupy Wall Street é uma reação a esse quadro de desigualdade, é uma mobilização por reformas.

Cult: A senhora faz parte dos americanos que se decepcionaram com o governo Obama?
AW: Foi um desastre. Veja como ele reagiu à crise do país e às guerras lá fora! O que fez o governo? Aumentou os impostos. Mas em vez de usar dinheiro para saúde e educação, reabilitou bancos e investiu em guerras. Os banqueiros, que eram responsáveis pela crise, são agora também parte do corpo administrativo do país.

No Afeganistão, a situação continua sem se resolver, o que não é difícil de entender, dada a posição estratégica numa região com tanto petróleo. Isso não só é desmoralizante para os EUA como põe o país em grande risco.

Cult: Rompendo o Silêncio é o resultado de visitas que fez para testemunhar situações de pobreza, dor, opressão e desespero em regiões da África e do Oriente Médio. Acredita no poder de uma obra para provocar mobilização?
AW: Fiz o livro em um formato curto, rápido de ler, para que funcionasse quase como panfleto. A maioria das pessoas não vê o que eu vi. Fui testemunha de situações de vida que costumam estar fora das lentes da grande mídia e, principalmente, dos governos.

Acho importante que se saiba o que está acontecendo, como a violência e o sofrimento se apresentam em todas as partes. Sobretudo é preciso que entendam como as coisas chegaram até onde chegaram.

Cult: A senhora se refere ao processo histórico que levou grandes impérios a colonizar regiões da África e do Oriente Médio e, como diz no livro, tornou inimigos grupos que antes conviviam pacificamente, como é o caso de hutus e tutsis em Ruanda?
AW: A história é a mesma sempre, não? No Brasil também houve a experiência da colonização. Era preciso roubar sua riqueza e fazê-los trabalhar.

O que não se percebe é como isso continua a acontecer. Não é possível libertar-se de situações de opressão se você não sabe qual é sua história, se não entende por que está nisso, se não reconhece como os opressores são mais fortes do que você porque têm não apenas mais armas, mas mais crueldade também.

Cult: Em 2003, a senhora chegou a ser presa por protestar na Casa Branca contra a atuação americana em Gaza. Pode contar sobre essa experiência? Além de sua prisão, o protesto levou a alguma reação do governo?
AW: O que posso dizer da experiência? É a experiência de ser presa. Estávamos eu e um grupo de mulheres. Fiz o que podia fazer, que é protestar. Mas o governo não se importou. Basicamente nos ignoraram. Na semana seguinte, realizaram outra investida bélica.

Cult: A certa altura do livro, a senhora conta que diante de tantas cenas de dor e desespero foi preciso buscar conforto nas religiões orientais. Como funcionou essa conexão com a espiritualidade?
AW: Era crucial ter esse tipo de ajuda. Faz tempo que estudo o taoísmo e o budismo. Não sou praticante, mas acredito que ajudam a nos fortalecer e, principalmente, a nos dar coragem para evitar a imobilização, para agir. As adversidades são tantas e tão pungentes que é quase impossível se manter ativo sem alguma conexão espiritual, sobretudo crianças e mulheres, que são particularmente vulneráveis.

Cult: A senhora mantém um blog bastante ativo. Como usa esse espaço para ter notícias e divulgá-las?
AW: É um blog mais artístico que ativista. Publico ali relatos do que vejo, a maioria sob a forma de poemas.

Cult: Tem notícias das pessoas que encontrou e que cita no livro?
AW: De algumas, ainda tenho, sim. Não é muito fácil para elas ter acesso a meios de comunicação, como a internet, por exemplo.

Fonte: Revista Cult e Bienal do Livro de Brasília
Profº Cleber de Oliveira


UNEGRO

Conversa sobre a atividade e exercício da Acupuntura no Brasil. Prof. Hudson (Conselho Regional de Educação Física São Paulo) e Ministra da Igualdade Racial Luiza Bairros.

Encontro Político em São Paulo contou com a 

Presença da Ministra da Igualdade Racial Luiza Bairros



Leci Brandão: Nosso racismo de cada dia
 

A Organização das Nações Unidas instituiu o 21 de março como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, em memória do Massacre de Shaperville, em 1960, quando 20 mil jovens negros de Joannesburgo, na África do Sul, protestavam contra a lei do passe, que os obrigava a portar cartões de identificação, especificando os locais por onde eles podiam circular.

Por Leci Brandão*


Mesmo sendo uma manifestação pacífica, o exército atirou na multidão e o saldo da violência foram 69 mortos e 186 feridos.

No Brasil, nunca tivemos uma lei do passe explícita, mas, cotidianamente, vivemos as limitações de quem não exerce plenamente sua cidadania. E esses limites podem ser mais perversos, porque não limitam apenas o ir e vir, mas impedem que as pessoas vivam plenamente sua autonomia e liberdade.

Sempre que a polícia persegue um cidadão negro, alegando que este estava em “atitude suspeita”, ou quando seguranças dedicam especial atenção aos cidadãos negros que entram nos supermercados, estamos diante da prova palpável da existência do racismo forjado em nossa herança escravocrata, que faz suas vítimas cotidianamente e que mostra que somos punidos toda vez que tentamos ultrapassar os limites impostos a nós pela sociedade. 

Em São Paulo, a imprensa diariamente mostra casos de violência racial e as estatísticas comprovam que o número de denúncias desse tipo de crime tem aumentado no Estado. Contudo, mais grave do que constatar a permanência do racismo é perceber a banalidade e passividade com que esses casos vêm sendo tratados.

O mais recente aconteceu no último dia 17, em Embu das Artes, quando o ajudante de caminhoneiro Ivan Romano foi agredido por dois jovens. Os agressores estão presos por tentativa de homicídio e a acusação de racismo está sendo investigada. Na semana passada, o músico Raphael Lopes chamou a polícia durante um show de comédia, após ser comparado a um macaco por um humorista. Em dezembro do ano passado, a estagiária Ester Cesário, de 19 anos, afirma ter sofrido discriminação no Colégio Internacional Anhembi Morumbi. Segundo Ester, a diretora da escola teria reclamado de seus cabelos e recomendado que ela os prendesse e alisasse.

Tais casos não são isolados. O racismo em nosso país está impregnado na sociedade, que considera normal o fato de negros receberam salários mais baixos e terem menos anos de estudo e, ao mesmo tempo, faz um estardalhaço toda vez que se propõe políticas afirmativas voltadas para a população negra.

É inegável que o racismo cotidiano permanece, mas é inadmissível que ele não seja contestado, que seja banalizado. Para combatê-lo é fundamental termos o amparo legal e a criminalização de práticas racistas, mas devemos olhar com prioridade para a educação e a cultura como ferramentas.

Na Assembleia Legislativa de São Paulo tramitam mais de 40 Projetos de Lei para a promoção da Igualdade Racial. Boa parte deles é relacionada à educação e à cultura. É importante que a sociedade se mobilize e sensibilize os demais deputados para a discussão e aprovação desses projetos que apontam caminhos para combater o racismo e suas consequências desastrosas, que impedem qualquer tentativa de construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

* cantora, compositora e deputada estadual pelo PCdoB

Fonte: Portal Vermelho

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Unegrinos e Unegrinas

Neste domingo (04) estive em reunião com Orlando, Augusto Chagas, Julio Velloso e Rodrigo, para tratar de um encontro (tema ainda para ser definido) sobre o negro e as eleições no dia 07 de abril às 10h, local a definir. O objetivo principal do encontro é trazer lideranças de varias áreas da cultura, samba, capoeira, religiões africanas, esporte, movimento sindical, movimento popular, movimento negro e intelectuais negros (as) para participarem da campanha eleitoral de Orlando Silva a vereador de São Paulo.
A meta é reunir de 100 a 150 pessoas, para isso, cada membro da UNEGRO tem que apresentar uma lista de nomes (intelectuais, lideranças negras de varias áreas, pessoas simples da nossa relação pessoal e política) na reunião dia 10/03/2012, na sede do Sindicato dos Correios, conforme convocatória enviada pela Simone. Quem não poder ir à reunião, favor enviar via e-mail relação dos nomes que se compromete mobilizar para atividade. Eu e Edson vamos ter mais conversas com Orlando durante a semana sobre o encontro.
Esta vai ser a primeira atividade da campanha, Eu e Edson estamos participando das reuniões de coordenação representando a UNEGRO. Orlando tem tratado a questão racial como um dos temas principais da sua campanha, isso é positivo, pois coloca no a questão no centro do debate político.
Desse modo estamos colocando em pauta, no município de São Paulo, nossa decisão congressual: Negras e Negros Compartilhando o Poder. A eleição de Orlando com as característica que tem adotado (pautar voluntariamente a questão racial) caminha harmoniosamente com o projeto da UNEGRO, por isso nosso empenho será importante para nossos objetivos presentes e futuros.


Abraços Julião Vieira
Presidente Estadual da Unegro
Membro Direção Estadual do PCdoB



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edson frança - coordenador nacional da unegro

COLUNISTAS

Movimento negro e as políticas de igualdade racial


12/FEV/2012POR EDSON FRANÇA

Considero o movimento negro o principal, e em muitos momentos solitário, protagonista da luta pela emancipação da população negra do jugo do racismo, trata-se de um ator social que expressa com profundidade as contradições raciais impregnadas na sociedade brasileira, por isso é imprescindível e estratégico para promoção da igualdade racial.

Promover a igualdade racial significa um ajuste na abordagem das relações raciais no Brasil, um conceito relativamente novo, mais completo, pois rompe com a unilateralidade das ações de enfrentamento do racismo. Outrora criminalizando a prática, com isso fixando o racismo no campo da alteridade, atualmente, além de criminalizar, propõe incidir sobre os impactos materiais e simbólicos decorrentes do racismo.

Dessa forma o Brasil aprofunda sua compreensão sobre o fenômeno racial, embora ainda não seja percebido como um elemento estruturante para a marginalidade e pobreza da população negra na sociedade brasileira. Penso que elaborar esse conceito e as propostas de políticas públicas que o ratifique significa o cumprimento inicial da prerrogativa do movimento negro que resume em apresentar demandas gerais e específicas da população negra e propor soluções.

O movimento negro atingiu um objetivo importante para estruturação das políticas de igualdade racial com a instituição da SEPPIR, nesse ato o governo brasileiro reconhece de forma inequívoca a existência do racismo e de seus nefastos desdobramentos na qualidade de vida da população negra e dá fim indiretamente ao famigerado mito da democracia racial, ideologia que exalta a benignidade das relações raciais no Brasil e nega a necessidade de qualquer intervenção do poder público em demandas raciais.

Pode-se dizer que essa vitória coroa de êxito um processo político iniciado em finais da década de 70, que consistiu em sair das salas de reuniões e denunciar publicamente o racismo, intensificar o ativismo da luta contra a opressão racial, participar dos partidos políticos, responsabilizar a ação e omissão do Estado pela condição de sub-cidadania de parcela expressiva da população negra, além de propor insistentemente medidas para superação das violências raciais presentes no Brasil.

No entanto, essa vitória precisa ser complementada com políticas públicas que tenham capacidade de contribuir para promoção social da população negra, sabemos que pela natureza do Estado brasileiro, como qualquer estado capitalista, só é possível obter mais efetividade e eficácia nas políticas de igualdade racial com força política e pressão popular. O racismo produz cenários materiais desvantajosos aos negros, por isso, cabe ao movimento social negro dar conta do desafio de organizar politicamente os pleitos coletivos dos negros.

Sensibilizar o Estado para investir na promoção econômica, social, política, cultural, educacional da população negra exigirá imposição, que deve ser articulada pelo movimento negro, pois o Estado brasileiro é um corpo lento quando tem que se movimentar em favor da massa empobrecida, marginalizada e oprimida. O movimento negro não pode projetar toda sua tática em convencimento de governos, precisa envolver o Estado, por isso leis como o Estatuto da Igualdade Racial e a 10.639/03 são fundamentais para o êxito da igualdade racial, embora conquistá-las e implantá-las demanda maior esforço.

Cabe ao movimento negro organizar a demanda política, social e econômica da população negra, apresentar propostas que se constituam em reais soluções aos problemas apresentados, acompanhar a implantação e avaliar os impactos. Para isso precisamos de um movimento autônomo, comprometido com o Brasil e com o povo brasileiro, pois qualquer ator político que reivindica a representação de metade da população de um país, somente se legitima com um projeto de desenvolvimento de nação que incorpore todo seu povo.

Igualdade Racial no Governo Lula

O Governo Lula foi um verdadeiro desbravador das políticas de igualdade racial no Brasil. Encontrou um país empobrecido, mergulhado no neoliberalismo, ultrajado e dilapidado por uma classe dominante racista, gananciosa e antipatriota. Um Estado essencialmente universalista, com somente 70 anos de experiência em política social entrecortada por quase 30 anos de ditaduras, estrutural e institucionalmente racista, sem conhecimento das condições e demandas específicas de grupos sociais marginalizados. Um Estado sem instrumentos institucionais, administrativos e legais para atuar na promoção da igualdade racial; carente de conceitos para subsidiar a elaboração de políticas para promover a população negra.

O período Lula (2003 a 2010) foi voltado, principalmente, para construir os instrumentais necessários para consecução da política de igualdade racial: aquisição de conhecimento da demanda, elaboração e pactuação da política, aprovação das normativas e das leis, convencimento de atores institucionais em âmbito da união e das unidades federativas, elaboração de projetos e programas.

Todos esses movimentos em pró da igualdade racial receberam críticas e feroz oposição de expressivo contingente parlamentar incluindo parlamentares da base aliada. Se opôs também a grande mídia brasileira, parcela da intelectualidade, além da resistência da máquina pública e de gestores da alta cúpula governamental. É verificável que o Governo Lula preparou as condições para implantação das políticas de igualdade racial de forma abrangente, parte importante de seu trabalho não é mensurável, ainda que seja visível o grande volume de sua obra nessa matéria. Não foi tarefa fácil nem simples, exigiu convicção e energia, em vários momentos os atores centrais desse empreendimento caminharam por estradas turvas solitariamente.

Nos últimos oito anos foram dados passos importantes para promoção social da população mais pobre, os negros foram contemplados por essas políticas. Pesquisa recente do Instituto Data Popular constatou que a maioria dos brasileiros que ascendeu à nova classe média é composta por jovem, mulher e negra, a mesma pesquisa diz que a população negra está mais otimista, acredita mais no Brasil e no futuro. O velho Marx nos ensinou que os fatores objetivos incidem sobre as subjetividades, em outras palavras, em terreno que acirra fome e pobreza o otimismo e a esperança não imperam.

Isso foi possível pela política de fortalecimento do salário mínimo, aumento dos postos de trabalho, maior acesso ao ensino superior, bolsa família, Luz Para Todos, Minha Casa Minha Vida, dentre outras políticas sociais. A meu juízo, o Governo Lula compreendeu que a igualdade racial é promovida com política universal somada a política de ação afirmativa, apesar de iniciais, os resultados dessa articulação foram positivos, precisamos aprofundá-los para que o legado de Lula para igualdade racial dê bons e mais frutos.

O racismo impacta multilateralmente, tem força de produzir desigualdade, por isso é importante somar às iniciativas de igualdade racial o esforço de universalizar de fato as políticas sociais, pois a verdadeira universalização das políticas governamentais e o efetivo embate contra a pobreza estão no escopo do combate ao racismo apregoado pelo Plano de Ação de Durban.

A política de igualdade racial implantada na era Lula impactou positivamente, mas ainda não produziu todo seu fruto e não superou os principais obstáculos impostos pelas forças políticas, econômicas e sociais que se contrapuseram a elas, os inimigos e os adversários continuam firmes, fortes e atuantes. Por isso, avalio que parte importante do arsenal antirracismo produzida nos dois governos Lula ficou no papel, a correlação de forças políticas sensíveis às condições de marginalidade da população negra não tem hegemonia e parte da esquerda brasileira, aliada de primeira hora dos trabalhadores e oprimidos, não tem compreensão profunda dos efeitos do racismo, vacilaram e vacilam em momentos importantes da luta racial.

Movimentos sociais e as conferências e conselhos de política pública 

Tenho dito que, no ponto de vista do governo, Lula acertou quando propôs a realização das conferências temáticas de políticas públicas e instituiu mais onze conselhos dedicados a diferentes áreas de políticas públicas e defesa de direitos. Generalizou uma prática preexistente, de certa forma caminha para institucionalização do controle social, diminui a presença do movimento social nas ruas e estabelece o palco principal de conversação e embate entre governo e movimento social.

Dessa forma foi possível estabelecer um processo contínuo e direto de diálogo democrático com mais de cinco milhões de brasileiros e manter 450 entidades sociais de expressão nacional nas 600 vagas da sociedade civil nos conselhos. Nesses espaços pactuam políticas e o governo define caminhos após oitiva da população organizada. Pode-se dizer que as conferências e os conselhos são uma espécie de assessoria de luxo do governo.

No entanto, após avaliar a realização de várias conferências de políticas públicas verificamos pouca resolutividade, o caráter consultivo das conferências e de grande maioria dos conselhos permite a seleção discricionária das propostas pelos gestores, aliás, permite também negá-las integralmente. Os resultados práticos têm denunciado grande fragilidade das conferências e dos conselhos para o avanço das pautas dos movimentos sociais.

Além disso, o movimento social deve considerar o perigo da perda do protagonismo da pauta política e do ímpeto questionador e revolucionário necessários aos movimentos sociais. Nenhuma sociedade avança nos direitos sociais e políticos dos trabalhadores e do povo com um movimento social fragmentado em compartimentos estanques, obediente, institucionalizado, ferido direta ou indiretamente em sua autonomia e sem o protagonismo das iniciativas.

Considero que os movimentos sociais devem garantir sua presença nas conferências e conselho de políticas públicas como mais um espaço de luta política, mas o palco prioritário dos movimentos sociais para avançar em suas reivindicações, garantirem mudanças e controlarem desvios de governos são as ruas, como foi durante a luta contra o apartheid, a luta pelos direitos civis dos negros americanos, as recentes mobilizações do povo egípcio e outras históricas mobilizações como o Petróleo é Nosso, Diretas Já e Fora Collor.



Desafios à consolidação das políticas de igualdade racial


Há desafios a serem considerados pelo movimento negro para consolidar as políticas de igualdade racial, as principais tarefas são: garantir sua observância na LDO, LOA e PPA, trabalhar para regulamentação e implantação do Estatuto da Igualdade Racial, dar curso ao PLANAPIR, fortalecer política e institucionalmente a Secretaria Nacional de Políticas de Igualdade Racial - SEPPIR, dar caráter deliberativo ao Conselho Nacional de Política de Igualdade Racial - CNPIR, investir mais recursos na estruturação do Fórum Intergovernamental de Política de Igualdade Racial - FIPIR, dar subsídios aos Ministros do STF para obtermos resultado positivo quanto a constitucionalidade das políticas de cotas e do decreto 4887/03, trabalhar para aprovação dos projetos de igualdade racial tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado, ampliar a base parlamentar em defesa das políticas de igualdade racial no Congresso Nacional, estimular instituição de frentes parlamentares nos estados e grandes municípios, intensificar diálogo com os partidos políticos, além de disputar a classe média brasileira com vista a obter apoio mais ativo. Para realizar sua missão institucional que consiste em “estabelecer iniciativas contra a desigualdade racial no País”, a SEPPIR precisa ser mais e melhor compreendida por amplos setores da vida política e institucional do país.

Estamos diante de uma pauta complexa, considerando que as políticas de igualdade racial ocorrerão em meio as condicionantes de ordem política, aos desafios impostos a saúde econômica e desenvolvimento do país e aos objetivos que serão perseguidos pelo governo Dilma.

Além das iniciativas da oposição e incompreensão dos aliados, o acirramento da crise econômica, que tem levado nações à insolvência e se aproximado do Brasil, criará condições adversas a igualdade racial. Nesse contexto o risco da Presidenta Dilma adotar uma política econômica mais contracionista e realizar draconianos cortes no orçamento, afetando duramente as políticas sociais, como o contingenciamento de 52 bilhões realizados no exercício passado não está descartado. A crise sempre recrudesce o racismo e denuncia a incapacidade desse sistema em oferecer igualdade.

No escopo das políticas sociais a prioridade anunciada do Governo Dilma é a eliminação da pobreza no Brasil, trata-se de um nobre objetivo, da mais alta relevância para todos brasileiros, especialmente aos negros que se constitui a maioria dos pobres. No entanto se desconsiderarem o racismo como importante elemento fomentador da pobreza, esse propósito não incidirá sobre a desigualdade racial.



Negros e negras compartilhando o poder


A atual gestão da SEPPIR avançou em aspectos fundamentais para o sucesso da política de igualdade racial, acertou ao priorizar no primeiro ano investir grandes esforços para inserir a política de igualdade racial com força no PPA, trata-se de uma conquista que tende a se consolidar, temos que observar atentamente o processo, pois o Estado brasileiro tem dificuldades de avançar para além do universalismo.

Apesar do acerto da SEPPIR, precisamos de muito mais, não concebo a luta pela superação do racismo e pela igualdade racial exclusivamente no âmbito das políticas públicas, por mais vitórias e esforços que se empreendam, a SEPPIR é insuficiente. Daí a importância da luta política para garantir a presença do negro no poder, sabemos que poder não se realiza com concessão governamental, mas com luta política concreta.

O poder no Brasil é um espaço de brancos, os projetos para a nação são pensados e executados por brancos, o país dissemina sua branquitude e nega sua negritude. Somente enegrecendo o poder, colorindo os parlamentos, as universidades, as direções das grandes empresas, as estruturas de direção do Estado, daremos passos concretos no caminho da igualdade racial. Essa tarefa não é exclusiva da população negra, pois o racismo é um dilema humanitário, superá-lo é responsabilidade de homens e mulheres de todas as raças.

As políticas de promoção da igualdade racial não atingem o poder, logo, cabe ao movimento negro a liderança de um projeto político que valorize o voto em negros comprometidos com a luta contra o racismo e contra a opressão de classe para todos os postos públicos, exigir presença negra nas direções partidárias, garantir presença de negros em espaços estratégicos de gestão e impor projetos que fomente o empreendimento de negras e negros. A UNEGRO foi feliz quando estabeleceu o debate do poder como foco de sua abordagem, estamos convictos que se o movimento negro focar esse tema com a mesma força que focou o 20 de novembro, a imortalidade de Zumbi dos Palmares e as ações afirmativas, em até cinco legislaturas mudaremos a cara do congresso e do poder político no Brasil.

Estamos em ano eleitoral (2012), precisamos organizar a participação da população negra nesse momento cívico e político importante, a eleição de prefeitos e vereadores estabelece a base do poder político nacional. É responsabilidade do movimento negro discutir programaticamente os caminhos a serem perseguidos pelas futurs autoridades municipais, oferecer alternativas para combater o racismo e oferecer quadros políticos para ser avaliado pelos eleitores. Negras e negros compartilhando o poder é um desafio de primeira grandeza e imediato.

Avante movimento negro!!!



NOTÍCIAS

Mídia omite cotas raciais

03/MAR/2012 
Por Eduardo Guimarães, em seu blog

As cotas para negros nas universidades são uma “política afirmativa” de inspiração norte-americana que está fazendo pela maioria dos brasileiros – que é negra ou descendente de negros – o mesmo que fez nos Estados Unidos, país em que negros ocupam muito mais cargos e profissões de maior prestígio e melhor remunerados.

Sempre aparece alguém que se surpreende com a informação de que a maioria dos brasileiros é negra porque este povo foi acostumado pela mídia a pensar que os brancos são maioria no Brasil, já que a televisão distorce a proporção de negros em novelas, telejornais e na propaganda, relegando-os ao esporte e à música.

Vale notar que é provável que os negros sejam muitos mais do que apenas 50%, pois alguns, para se livrarem do estigma da “raça” que faz o negro ganhar salários menores e ser preterido em empregos, declaram-se brancos. Como o Censo do IBGE se baseia em autodeclaração de etnia pelos entrevistados, a população negra deve ser ainda maior.

Esse fato explica outra realidade. Devido aos racistas se valerem de alguns poucos negros que superaram a discriminação, chegaram aos estratos de maior renda e passaram a defender pontos de vista do entorno social branco sobre questões como cotas “raciais” nas universidades, a impressão que fica é que nem os negros querem essa política pública, quando, em verdade, é exatamente o oposto.

A maioria esmagadora dos negros, para não dizer a quase totalidade deles, apóia as cotas “raciais” em universidades. E isso não é uma opinião, mas um fato apurado por algumas das raras pesquisas de opinião sobre o assunto que mostram que a maioria da população brasileira, que é negra, apóia as cotas com a colaboração de reduzido contingente de brancos.

O instituto de pesquisas de opinião Datafolha sondou a visão da sociedade sobre a política afirmativa de cotas para negros nas universidades durante raras oportunidades na década passada e constatou essa realidade que, aliás, é um dos fatores que sustentaram o apoio da maioria dos brasileiros ao PT ao menos nas últimas duas eleições presidenciais.

Pesquisas Datafolha levadas a campo em 2006 e 2008 detectaram, respectivamente, que 65% e 62% dos brasileiros apoiam cotas para negros em universidades públicas apesar de considerarem que tal política pública é humilhante e geradora de reações racistas, o que não impede essa maioria de considerar que cotas são a única forma de um contingente significativo de negros chegar ao ensino superior.

Alguns poucos negros adotaram os interesses dos brancos ao serem aceitos em seus círculos sociais após conseguirem cursar o ensino superior, formarem-se e ganharem dinheiro. E a mídia, que serve à elite branca que quer reservar vagas nas universitárias públicas (e gratuitas) aos seus filhos, instrumentaliza esses que esqueceram as origens.